Na Vert Magazine temos o enorme prazer de trazer à memória um dos maiores bodyboarders brasileiros de sempre. Esta entrevista, que é uma obra de ficção, foi publicada há 10 anos e visa homenagear Alexandre de Pontes – ou Alex de Pontes, como os “gringos” o conheciam, ou Xande como os amigos mais próximos o chamavam ou simplesmente Xandinho, como passou a ser conhecido e admirado por toda a nação do bodyboard.

No próximo dia 25 de agosto faz exatamente trinta anos que Xandinho nos deixou e partiu para a eternidade, mas até hoje é lembrado e enaltecido pelos seus feitos, seja pela sua personalidade ou pela sua atitude nos quatro cantos do planeta – foi top nacional, referência internacional e finalista em Pipe por diversas vezes, numa época em que o mundial era decidido numa única etapa.

De forma a enaltecer a sua memória e os seus feitos, partilhamos esta entrevista que foi elaborada e cedida por Rodrigo Monteiro e que só foi possível devido à colaboração de alguns dos seus melhores amigos. As imagens ajudam a retratar o seu estilo de vida, os amigos, a sua carreira e o seu carisma. O “galego” era alguém que não negava um sorriso a ninguém.


Xandinho, como foi o seu início no bodyboard? Quando e quem te deu a primeira prancha?

A minha primeira prancha eu ganhei do meu amigo Robertinho, no início dos anos 80. Antes, pegávamos onda de peito e prancha de espuma no Leblon, no Posto 11.

Naquela época, quem eram suas referências no desporto?

No Brasil ainda tinha pouca gente a fazer Bodyboarding. As minhas referências eram o Kiko Pacheco, meu irmão de coração, Billy Portinari, Cláudio e Heraldo Marques, Guto de Oliveira e Salgado. Depois conheci o Marcus Cal “Kung”, Kiko Ebert, Ugo Corti e começámos a ver fotos e alguns (raros) vídeos de bodyboard com os gringos. Os que mais me inspiraram foram Mike Stewart, Ben Severson e Jack “The Ripper” Lindholm.

E quando surgiram as primeiras competições?

Foram as etapas do circuito carioca da AMBERJ, em 1984.

E os primeiros patrocinadores?

Foi nesta época, graças aos bons resultados nas competições, com a Quebra-Mar.

Quando o Bodyboarding se tornou a tua profissão?

Foi logo no início do desporto no Rio de Janeiro, com a organização da AMBERJ e depois a ABBERJ. Nessa altura o bodyboard atraiu muitos praticantes e patrocinadores e a galera que se destacava na época não teve muitas dificuldades em conseguir bons patrocínios. Sempre consegui negociar bem com os empresários do desporto e consegui ótimos patrocínios, que me pagavam um salário, equipamentos, viagens para competir pelo Brasil e no exterior.

Fizeste parte da primeira equipa brasileira a competir no mundial de Pipeline, em 1986. Qual foi o critério de seleção?

Foi pelo ranking da ABBERJ e para quem tinha condições de viajar com as despesas pagas pelo patrocinador. Naquela época, final de 85, ainda não tinha um circuito nacional que pudesse selecionar outros atletas e os melhores estavam mesmo no Rio de Janeiro. O Kung conseguiu os convites para participarmos e acabámos por ir eu, o Cláudio Marques, Kung, Guto e Salgado.

Qual foi a sensação de pisar pela primeira vez na ilha?

Eu ria o tempo todo, de felicidade… em êxtase total! Já estava nervoso no avião, mas, quando avistámos a ilha, gritei muito alto: “UHUUUU, GALERA, É O BICHO! OLHA LÁ!! CADÊ PIPELINE? UHUUU!! CARACA É O HAVAI! OLHA LÁ, OLHA LÁ! (risos) E o avião inteiro ria muito! Não me contive! Quando pisámos no Aeroporto de Honolulu, o ar era diferente, a atmosfera, sei lá. Uma energia muito grande, muita adrenalina.

Tirando Guilherme Tâmega, você foi o brasileiro mais bem sucedido em Pipeline, alcançando três finais (1988 – 4.º lugar, 1990 – 3.º lugar e 1992 – 4.º lugar) e outras tantas finais de consolação (1987- 8.º lugar e 1989 – 9.º lugar). Morando no Brasil e treinando em condições tão diferentes, como você conseguia ficar tão à vontade em Pipe?

Estava no sangue! Treinei muito no Leblon e São Conrado e, sempre que entrava em Pipe, era como se estivesse em casa (embora um pouquinho maior e mais cabuloso). Sabia o que tinha que fazer, o que não podia fazer e deixava o meu instinto fazer o resto.

Na sua opinião, das etapas disputadas em Pipe, qual a melhor e porquê? E como foi disputar uma final com seu pupilo Guilherme Tâmega em 92, com o mesmo a terminar em 3.º e você em 4.º?

Considero o mundial de 1990, onde deu altas ondas também e fiquei em 3.º lugar, perdendo apenas para Mike Stewart (campeão) e Ben Severson (vice). Chegar à final com o Guilherme em 1992 foi uma emoção a dobrar. Para chegar na final do mundial naquela época já era uma senhora conquista e chegar lá com o GT foi ainda mais especial.

Com exceção das etapas do mundial, quais foram seus melhores resultados em competições nacionais e internacionais?

Ganhei várias etapas da ABBERJ, o Bliss International em 89, com o Mike Stewart, e fui campeão de um evento no Chile.

Aquela final do Bliss International em 89, com o Mike Stewart, ficou na memória. Simplesmente inesquecível! Praia lotada, todos os canais de televisão e jornais presentes, atletas de alto nível. Esse foi o momento mais marcante?

No Brasil, com certeza, pois o Mike era um ídolo imbatível e diante de todos na praia, e das câmaras de televisão, a galera viu o ídolo ser derrotado pelo galego! (risos) Tudo conspirou a meu favor, até aquele helicóptero, que estava filmando para a TV Globo, quando se aproximou da água na final, o vento das hélices fez um terral para minha onda e eu tirei um tubo naquele marzinho de 0,5m. Foi incrível! E o Mike reconheceu minha vitória, me levantando no pódio, diante da galera enlouquecida na praia!

Como era a tua relação com o Mr. Pipeline, Mike Stewart?

Dávamo-nos muito bem. Ele era uma referência para mim em Pipe e procurava ficar sempre perto dele, pois as melhores ondas sempre vinham para ele e algumas boas sempre sobravam para mim. Ele me respeitava muito, acho que reconhecia minha performance em Pipe, que era o quintal da sua casa.

Estudaste inglês para comunicar com essa turma ou foste aprendendo nas viagens?

Hahaha, boa! Meu primeiro ano no Havai não sabia nada de inglês. O Kung era meu porta-voz e daí para frente fui aprendendo, ouvindo os gringos, falando do meu jeito até que depois de algumas viagens já arranhava um inglês que todos entendiam e conseguia falar tudo que queria. Dava meu recado para os gringos e entendia tudo que eles falavam.

Sempre tiveste bons patrocinadores, mas quais foram realmente os teus melhores patrocínios, aqueles que mais investiram e acreditaram em ti?

A Quebra-Mar foi o meu primeiro patrocínio, que bancou minha primeira viagem para o Havai. Contudo, os que mais investiram em mim foram a Redley e a BZ, que bancaram minhas principais viagens pelo Mundo e me pagavam um salário que me permitia viver do desporto e ainda ajudar nas despesas em casa. O Tico também foi muito importante. Sempre me acompanhou, além de ser um grande amigo. Um excelente surfista que sempre incentivou e respeitou a galera do Bodyboarding.

Você foi o primeiro bodyboarder empresário a investir numa Bodyboard Shop no Brasil…

Sim, foi a Xandinho Bodyboarding Shop. Ficava numa galeria no Leblon. Foi a realização de um sonho, de me tornar empresário do meio e viver ligado ao que eu mais amava fazer.

Os pés de pato Redley Vacuum foi uma conceção sua e do José Caedro. Em que se inspiraram e quais as principais vantagens em relação aos formatos existentes?

A Redley queria exportar os pés de pato e o formato anterior tinha problemas com patentes mundiais, pois era uma cópia dos Churchill Swimfins. Foi aí que pensei em fazer algo diferente e melhor. Levei a ideia para o Peter da Redley e partimos para a execução, com a ajuda do Caedro, que era fera em engenharia e design. Fiz algumas modificações que achava importantes em termos de hidrodinâmica e performance e, após 4 ou 5 protótipos, chegamos ao modelo final. Deu bastante trabalho, mas o resultado agradou e foi extremamente positivo.

Foste um dos que mais lutou por um circuito mundial, composto de várias etapas, em diversos países. Felizmente, o projeto foi por diante. Se fosses hoje o presidente da IBC, que farias diferente?

Faria exatamente o que fazíamos na nossa época: 100% de dedicação ao desporto, decidindo sempre a favor dos atletas e do Bodyboarding. O resto é consequência desta dedicação e determinação, acreditando e agindo de acordo com o que é melhor para todos e não em detrimento de uns e outros. Sempre que deixámos a direção do bodyboard nas mãos de pessoas que não estão ligadas a ele pela prática e/ou pela paixão, o interesse acaba sempre por ser o retorno financeiro que possa trazer e, por último, os interesses dos atletas. É assim que funciona.

Teve aquela situação do naufrágio quando estavas a ir do Recife para Noronha, que o barco afundou e vocês ficaram à deriva em plena madrugada. Conta-nos como foi essa experiência?

O fotógrafo Rick Werneck estava a ir para Fernando de Noronha com vários tops do surf nacional e o havaiano Marty Thomas, e convidou-me a juntar-me de forma a produzirmos umas fotos. Consegui ir até Recife e aguardava a disponibilidade de um avião da FAB ou dos Correios para chegar à ilha, junto com o Marcello Pedro e o seu primo, Rafael. Como não conseguimos o avião, resolvemos comprar o bilhete para irmos num barco que estava a levar carga para Noronha. Por volta da meia-noite, acordei com uma gritaria. A bomba d’água do barco tinha pifado e estava a entrar muita água na embarcação. Começámos a atirar toda a carga ao mar. Mesmo assim, não adiantou. O comandante inflou um bote salva-vidas em formato de “iglu”, amarrado numa lancha com um pequeno motor que havia a bordo. Durante toda a operação o comandante tentava pedir socorro pelo rádio, mas ninguém respondia. No último “Mayday”, quando todos já estavam nos botes e o barco estava prestes a afundar, o comandante do superpetroleiro Amazonas captou a nossa mensagem e veio em nosso auxílio. O mar estava batido, com cerca de dois metros, e muita gente começou a passar mal, inclusive eu. Depois de cerca de quatro horas, finalmente vimos umas luzes a aproximarem-se. O navio era enorme! Como iríamos encostar dois pequenos botes naquele navio sem sermos atropelados? Chegámos a pensar que eles não nos tinham visto, pois o navio passou por nós, mas nisto alguém gritou através de um megafone que nos tinham avistado e iriam manobrar para dar socorro. Foi então que atravessaram o navio na direção da ondulação e de repente o mar ficou “flat”. Encostámos os botes e fomos resgatados. O navio teve que seguir a sua rota e nós voltámos para Salvador. Enquanto isso, Rick estava no hotel em Noronha, jantando e assistindo ao Jornal Nacional, ansioso porque não conseguia falar comigo. De repente, vê-me na TV Globo, falando, com as veias do pescoço saltando, indignado com o comandante e o excesso de peso daquele barco que quase nos matou.

As pessoas dizem que eras um zoador (nota: quem prega partidas) de marca maior, mas quando te zoavam ficavas bravo. Verdade ou boato?

É tudo junto ao mesmo tempo! É verdade, mas é intriga da oposição! (risos)

Abre o baú e conta-nos uma história engraçada que tenha acontecido numa viagem!

Tem muita história para contar… Na casa da Miss Milly, no Havai, rolava de tudo: porradaria, sacanagem com os rookies que faziam a estreia na ilha… era muito divertido! Teve um dia em que estávamos a andar de autocarro em Honolulu e o “Cabra” (Kiko Pacheco) perguntou-me o que dizia a placa que se encontrava nas costas de todos os assentos: “Keep Head and Arms In”. Como já estava a dominar o inglês, traduzi para ele: “É proibido transportar armas no autocarro”. A merda é que o Kiko Ebert e o Cláudio, que estavam do outro lado do corredor, ouviram a tradução e caíram na gargalhada, ficando a zoar até sairmos. Tremendo exagero deles, por um deslize tão insignificante da minha tradução. (risos) Não tinham nada que ficar prestando atenção na minha conversa com o Cabrinha, muito menos contar depois para toda a gente na casa da Miss Milly! (risos)

Quais o som que mais curtes e qual a tua playlist?
Gosto muito de AC/DC, Bob Marley, Burning Spear, Peter Tosh, Simple Minds, Duran Duran, Men at Work, U2, Australian Crawl, entre outros da surf music dos anos 80. As tops do meu playlist ficam com Bob Marley: Natural Mystic e War; Peter Tosh: Mystic Man; Simple Minds: Don’t You (Forget About Me); e AC/DC: Sin City.

Jogo de Resposta Rápida

Amigos(as) inesquecíveis que fez no bodyboard? Robertinho, Rick Werneck, Kiko Pacheco, Kiko Ebert, Paulo Esteves, Cláudio Marques, Kung, Ugo Corti, Guilherme Tâmega e muitos outros.

Melhor parceiro de trip? Sem dúvida, meu irmão de alma, Rick Werneck.

Quem era o mais alto astral? Kiko Ebert.

O mais pilhado, que puxava o limite da galera? Kiko Pacheco e GT.

Melhor onda que surfou no Brasil? Cacimba do Padre e São Conrado.

A melhor trip? Ilha de Páscoa.

Se tivesses que escolher algumas pessoas para agradecer, quem seriam?

Seriam muitas pessoas que passaram pela minha vida durante a minha trajetória no bodyboarding. Primeiramente a minha família que sempre me apoiou, a minha namorada Giselle, meus amigos que considero irmãos de alma, como Rick Werneck, Luizinho “Kiko” Pacheco, Kiko Ebert, Robertinho e vários outros.

Deixa uma mensagem para os seus fãs e amigos.

Seja um cara de atitude em tudo, faça a diferença. Não se acomode, não tenha medo e não desista.

Alexandre de Pontes por Alexandre de Pontes?

Sou um cara realizado, tenho muitos amigos, trabalho no que gosto, viajo o Brasil e o mundo a apanhar ondas, ajudo os outros, e tenho o sonho de ver o desporto forte e reconhecido. Amo a minha família e os meus amigos, sou meio bravo às vezes, e sou zoador também. Um cara que sempre lutou muito por tudo que conquistou na vida.

Valeu Xandinho!


* Agradecimentos especiais aos amigos e familiares que participaram deste projeto: Kiko, Gisele, Cláudio, GT, Guto, Rick, Tia Adilia, Andrea, Robertinho, Marcello, Otávio, Eduardo e Paulo.