Aproveitando um artigo publicado ainda numa das nossas edições em papel (Vert #99, abril 2010), que sofreu pequenas adaptações, fica então a conhecer um pouco da história do Pipe Masters, um dos mais emblemáticos eventos do mundo do bodyboard.


HISTÓRIA

Pipeline é um nome que consta do dicionário de qualquer bodyboarder fervoroso. Este pico faz parte da nossa vida desde há muitos anos, contando-se imensos campeonatos e sessões memoráveis realizados naquele que é considerado um dos melhores spots do mundo para bodyboard. É, sem dúvida, parte integrante e indissociável da nossa história. Apelidada de Banzai Pipeline, nos anos 60 do século passado, esta onda é igualmente conhecida devido ao seu nível de exigência e por rolar por cima de um reef que já reclamou vítimas… literalmente!

Situado em Ehukai Beach Park, tem a particularidade de funcionar em quatro pontos distintos: Pipeline é a fantástica esquerda que quebra com fortes ondulações de oeste, Backdoor é a direita contígua a Pipeline e que funciona com swell de norte. Quando o oceano chega à costa havaiana em proporções dantescas, o segundo e terceiro reefs podem estar a quebrar a uns bons metros da costa.

Com o crescimento exponencial que o bodyboard sofreu ao longo dos anos um pouco por todo o planeta, há muito que Banzai Pipeline tem sido um dos destinos mais visitados pelos praticantes, principalmente na época que coincide com a etapa a contar para o mundial de bodyboard.

“A estreia de Pipeline como campeonato de bodyboard foi no longínquo ano de 1982. Daniel Kaimi foi o primeiro vencedor”

Esta peregrinação de estrangeiros despoletou, ao longo dos anos, ferozes atos de repressão por parte dos locais face aos de fora (haoles). O localismo naquela zona chegou a atingir níveis escabrosos e muitos foram os casos mediáticos de violência generalizada. Dave Winchester, Michael Novy e Cade Sharp são alguns dos riders mais conhecidos que sofreram na pele os efeitos da fúria havaiana, especialmente muito patente em grupos organizados de surfers locais prontos para a porrada. 

EVENTOS

O evento mais esperado do ano no circuito mundial de bodyboard é o Pipeline Pro (ou Pipe Invitacional ou ainda Pipe Challenge). Durante muitos anos, este foi o local que marcava o término do ano competitivo e que, muitas vezes, servia para definir o novo campeão mundial. Mais recentemente, Pipe passou a abrir a temporada, mas a expectativa em torno deste espetáculo manteve-se intata.

Este ano o campeonato celebrou 41 anos de existência. Pelo meio deste percurso de quatro décadas, algumas foram as pedras que surgiram no caminho e que mudaram ligeiramente o rumo dos acontecimentos. Por exemplo, em 1985 o circuito mundial de bodyboard não se realizou e em 2005 o espetáculo foi movido para Maui. Em 2015 e 2018 também não houve evento.

À entrada para o novo milénio, o Pipeline Pro esteve em vias de não se realizar por falta de um patrocinador principal. Porém, eis que o melhor surfista de todos os tempos daquele pico tratou de resolver a situação, patrocinando ele, através da sua marca, a principal etapa do circuito mundial. Depois desta aposta de Mike Stewart, o evento até ganhou outra proporção, surgindo uma conceituadíssima empresa de produção de jogos de consolas como principal investidor.

“Mike Stewart venceu por 11 vezes o evento em Banzai Pipeline”

Nos dias que correm, e com todas as evoluções tecnológicas que se verificam a um ritmo desmesurado, a competição pode ser seguida via webcast, o que facilita e une os aficionados do bodyboard em torno deste ponto geográfico único no mundo e possibilita que todos sigamos o espetáculo que é o bodyboard em Pipeline.

O ano passado, por exemplo, o formato de prova assentou numa Expression Session e o resultado só foi conhecido dois meses após a sua realização. 2023 também esteve envolto em polémica já que a prova contou com poucas ondas e foi realizada em Ehukai. Apesar de alguns altos e baixos, Pipe continua a ter lugar e certamente manter-se-á por muitos e longos anos, continuando a figurar neste nosso mapa histórico. 

CAMPEÕES E OS PORTUGUESES

A estreia de Pipeline como campeonato de bodyboard foi no longínquo ano de 1982. Daniel Kaimi foi o primeiro vencedor, num evento que ficou marcado pela hegemonia havaiana: pelos menos os oito primeiros classificados residiam na ilha. À data, o vencedor levava para casa um prize-money de 1.500 dólares.

Com o passar dos anos começou a surgir uma figura incontornável no pico e no desporto. Venceu por 11 vezes o evento em Banzai Pipeline, um feito nunca antes conseguido. Mike Stewart afirmou-se como rei e senhor daquele reef break sendo que, como acima referido, é hoje internacionalmente reconhecido como um dos melhores surfistas de sempre naquele spot. Não só levou imensas taças para casa, referentes ao bodyboard, como também conquistou outras tantas na categoria de bodysurf. O testemunho passou para as mãos de outro havaiano: Jeff Hubbard, o digno sucessor de Mike como rei do spot, contando já com cinco vitórias em eventos a contar para o mundial.

No caso dos estrangeiros, os brasileiros também se deram bem com Pipeline. Guilherme Tâmega venceu por duas vezes, mas o seu conterrâneo Paulo Barcellos também se mostrou disponível para levar o ceptro para terras brasileiras, como se verificou em 2008. Apesar de tudo, os aussies foram quem melhor conseguiu fazer frente aos havaianos na luta pelo título de Pipe.

A competição costumava ser um bom prenúncio para aqueles que a venciam. Por diversas vezes, o vencedor do evento em Pipe atingiu mesmo o topo do mundo e acabou por vencer também o circuito mundial nesse mesmo ano. São alguns exemplos Damian King, que chegou a vencer em Pipeline duas vezes, Andre Botha (em cima) – sagrou-se bicampeão mundial em dois anos seguidos, tendo vencido em Pipe nessas mesmas épocas – ou o eterno Mike Stewart.

“A competição costumava ser um bom prenúncio para aqueles que a venciam”

Os portugueses também fazem questão de participar nesta festa que é o evento de Banzai. Gonçalo Faria foi o primeiro a constar no top 5 numa etapa no Havai. Foi em 1994, ano em que o Pipeline Pro registou o maior swell que alguma vez surgiu por altura da competição, que Ratinho atingiu o 5.º lugar, façanha que repetiu em 1999.

Paulinho também foi um dos portugueses que embarcou para o sonho havaiano e, em 1998, esteve bem perto: as meias-finais foram o máximo que atingiu, fixando-se num honroso 7.º posto da tabela classificativa. Rui Ferreira é outro dos nomes que marcam a história dos portugueses em Pipe: foi 4.º classificado em 2001 e obteve um memorável 3.º lugar em 2003. Nos últimos anos foi Hugo Pinheiro quem melhor tem representado as cores nacionais no arquipélago do Pacífico. O sua melhor classificação foi um 4.º lugar em 2008.

“Rita Pires detém a melhor prestação lusa com um fantástico 2.º lugar conseguido em 2008”

Analisando a história dos eventos femininos em Pipeline, Dora Gomes foi uma das portuguesas que mais vezes pisou aquele areal. Em 2000 ficou-se por um bom 7.º lugar ao atingir as meias-finais, resultado, aliás, igual ao do ano anterior. Em todo o caso, importa referir que é Rita Pires que detém a melhor prestação na divisão feminina com um fantástico 2.º lugar conseguido em 2008. 

A última prestação lusa de assinalar deu-se com Pedro Correia “Pedrim” (em cima), na edição de 2017, com o bodyboarder açoriano a terminar em 9.º lugar naquela que foi a sua primeira temporada havaiana. Ben Player e Guilherme Tâmega foram os carrascos de serviço para o português.

LISTA DE CAMPEÕES

1982 – Daniel Kaimi (Havai)

1983 – Mike Stewart (Havai)

1984 – Mike Stewart (Havai)

1985 – Não teve lugar

1986 – Ben Severson (Havai)

1987 – Mike Stewart (Havai)

1988 – Mike Stewart (Havai)

1989 – Mike Stewart (Havai)

1990 – Mike Stewart (Havai)

1991 – Mike Stewart (Havai)

1992 – Mike Stewart (Havai)

1993 – Michael “Eppo” Epplestun (Austrália)

1994 – Guilherme Tâmega (Brasil)

1995 – Mike Stewart (Havai)

1996 – Mike Stewart (Havai)

1997 – Steve “Bullet” Mackenzie (Austrália)

1998 – Mike Stewart (Havai)

1999 – Andre Botha  (África do Sul)

2000 – Andre Botha (África do Sul)

2001 – Andrew Lester (Austrália)

2002 – Guilherme Tâmega (Brasil)

2003 – Jeff Hubbard (Havai)

2004 – Damian King (Austrália)

2005 – Não teve lugar em Pipe; prova foi disputada em Honolua Bay

2006 – Damian King (Austrália)

2007 – Jeff Hubbard (Havai)

2008 – Paulo Barcellos (Brasil)

2009 – Ryan Hardy (Austrália)

2010 – Amaury Lavernhe (Ilha Reunião)

2011 – Jeff Hubbard (Havai)

2012 – Jeff Hubbard (Havai)

2013 – Ben Player (Austrália)

2014 – Ben Player (Austrália)

2015 – Não teve lugar

2016 – Pierre-Louis Costes (França)

2017 – Jeff Hubbard (Havai)

2018 – Não teve lugar

2019 – Pierre-Louis Costes (França)

2020 – Iain Campbell (África do Sul)

2021- Não teve lugar devido à Covid-19

2022 – Tanner McDaniel (EUA) / Boog Jam

2023 – Tanner McDaniel (EUA)


Fotografia: Chuck Trouville & Sacha Specker/IBA – Danny Black – Rute Penedo – Alex Perez
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