A época competitiva deste ano foi absolutamente extraordinária para Joana Schenker. A algarvia, de 30 anos, tornou-se tetracampeã europeia e nacional, venceu o Sintra Portugal Pro e há dias, na Praia do Norte, durante o Nazaré Pro 2017, alcançou o primeiro título mundial da carreira. Com vista a não perdermos a atualidade e dando uma visão mais completa, quer a Joana Schenker quer Francisco Pinheiro, seu treinador e companheiro, um dos responsáveis pelo sucesso da bodyboarder, fizeram o favor de responder-nos a algumas questões. 

2017 é um ano de ouro com vitórias importantes em três frentes: nacional, europeia e mundial. Fala-me disso. Foi tudo o que esperavas ou superou as expetativas como treinador? 

Francisco Pinheiro: A renovação do titulo nacional e europeu fazia parte dos nossos objetivos, embora o nosso foco principal fosse a melhor prestação possível no Circuito Mundial. O ano passado a Joana já tinha tido uma prestação histórica para os desportos de ondas em Portugal, classificando-se no ranking final do circuito mundial em 3.º lugar empatada com a Japonesa Sari Ohhara, sendo que depois foi efetuado um desempate, acabando por ficar em 4.º lugar final. Para 2017 tínhamos planeado trabalhar para ficar nos lugares cimeiros e focar-nos em surfar bem e competir heat a heat, sem olhar para o resultado final. E foi isso que foi acontecendo, claro que com a vitória no mundial da Praia Grande, o objetivo principal mudou, mas a estratégia ficou a mesma. Depois com mais uma excelente prestação da Joana no europeu/mundial da Madeira, o título mundial ficou claramente ao nosso alcance. Acho que não existe nenhuma atleta mundial que tenha vencido no mesmo ano três competições oficiais.

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Como se treina um atleta para alcançar o topo mundial? Não só fisicamente, mas também o psicológico e o plano tático…

Francisco Pinheiro: Bom, a parte física em Sagres não é fácil de desenvolver, pois não temos estruturas que permitam fazer um bom plano de treino físico. Todo o trabalho é feito em casa ou ao ar livre. Porém, na minha maneira de “ver” as coisas, surfar o mais possível condições diferentes é o melhor treino. Ao surfar fazemos um pouco de tudo. Se surfarmos bem, melhoramos o nosso psicológico, a nossa motivação e confiança. Ao nos sentirmos confiantes a surfar, a tática na competição passa por escolher as melhores ondas e executar as manobras limpas no sitio certo da onda. Filmar as sessões e os heats é também muito importante para se poder discutir as diferentes abordagens á mesma onda.

“É uma vitória do que somos e das nossas decisões ao longo da vida”

Relativamente à Joana, quais dirias serem as suas melhores qualidades e fragilidades, ou onde precisa melhorar?

Francisco Pinheiro: As qualidades da Joana são muitas, na minha opinião. Tem um estilo solto e bonito, tem velocidade, faz boas transferências de rails (rail to rail), tem manobras progressivas, sabe usar as pernas, surfa bem para os dois lados, pequeno/grande, mole/cavado. É uma pessoa bastante humilde e com boa energia. No lado das fragilidades tem algumas, mas a que queremos melhorar neste momento, passa por surfar mais em fundos de pedra para se sentir mais à vontade.

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Dirias que esta é uma vitória da persistência, da resiliência, ou também da oportunidade? E já agora, a teu ver, onde surgiu essa janela de oportunidade?

Francisco Pinheiro: Diria que é uma vitória do trabalho desenvolvido ao longo dos anos, da técnica da Joana, da oportunidade, do investimento e confiança dos patrocinadores, da experiência, da persistência, dedicação e humildade, das milhares de horas passadas na água, a filmar e ao computador, das rugas na cara e olhos vermelhos, dos milhares de quilómetros percorridos num carro velho, dos momentos passados com os nossos amigos na água ao frio. É uma vitória do que somos e das nossas decisões ao longo da vida!

“Espero que [este título] nos traga, acima de tudo mais, reconhecimento por parte de todos”

Com 4 títulos europeus e nacionais, e 1 mundial, agora sob a vossa alçada, que condições gostariam de ver melhoradas daqui por diante?

Francisco Pinheiro: A época ainda não terminou, mas já estamos a desenvolver o projeto para o futuro, Claro que gostávamos de ver todas a vertentes melhoradas, desde o apoio financeiro e contratos mais longos, assim como uma maior atenção e a apoio por parte dos órgãos estatais que gerem o desporto e dos media.

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Como viveram aqueles momentos na Praia do Norte, a aguardar os resultados de Alexandra Rinder e Isabela Sousa nas meias-finais?

Francisco Pinheiro: Não consigo descrever o que me ia na cabeça nesses momentos, no meio de tantos pensamentos pensava em como nada estava perdido e que ainda íamos conseguir nas Ilhas Canárias. Optei por não ver os heats, vim mais para trás para não ver as ondas, temos uma boa relação de amizade e respeito mútuo com a Isabela e a Alexandra e não queria estar a torcer para elas perderem. No final foi lindo e eu só queria era abraçar a Joana e chorar de alegria, mas tive de me controlar pois estava muita gente a ver (risos).

Joana Schenker: É difícil de descrever, até ouvir a buzina do final da segunda meia-final eu sempre pensei que não iria ser ali e de forma tão simples que iria ganhar o titulo. Não estava à espera que tudo se fosse compor de forma tão perfeita para mim. 

“Sempre pensei que não iria ser ali e de forma tão simples que iria ganhar o titulo”

Que esperas que este título histórico, único até ao momento, traga agora para o Bodyboard português? 

Joana Schenker: Espero que nos traga, acima de tudo mais, reconhecimento por parte de todos. 

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Como estão a ser estas últimas horas? O frenesim das entrevistas continua? 

Joana Schenker: Desde que cheguei às Canárias está mais calmo, os primeiros três dias foram uma loucura, sinceramente não estava a contar com tanta exposição. Acho que falei com mais jornalistas nesses dias do que em toda a minha carreira, mas foi muito bom para promover o bodyboard, e ainda vai sair muita coisa nos próximos tempos que tive de agendar para mais tarde. 

Que se segue agora ao nível do plano pessoal?

Joana Schenker: Agora só quero chegar a casa e poder surfar sem buzinas, cronómetro… Depois vou preparar a próxima época. Vou competir, como é obvio, mas ainda não tracei objetivos. O foco principal é sempre evoluir. 


Fotografias de João Araújo, Francisco Pinheiro, Hélio António & António Fonseca