Texto publicado inicialmente na Vert nr. 97 (dezembro 2009).
Nota: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência – mesmo passados 13 anos. 

Num dos poucos dias que tive o especial prazer de apanhar boas ondas ultimamente, dei por mim a pensar no discurso comum de quem me rodeia, no que ao bodyboard diz respeito e ao seu “estado” de uma maneira geral. Quase todos já percebemos que tempos houve em que os principais intervenientes na indústria, digamos, eram melhor remunerados, face ao custo de vida, do que são provavelmente agora. A recessão económica global acentuou-se bastante nos últimos 2/3 anos e isso justifica, confesso, algumas opiniões mais pessimistas relativamente ao futuro deste nosso, no mínimo, estilo de vida. 

De resto, há muitas e várias razões para um desinvestimento acentuado do que vulgarmente conhecemos por “gigantes da surfwear”. É simples. Não precisam de o fazer para ter retorno, algo que não me incomoda só a mim, mas também todos os que amam isto como algo profundo e essencial nas suas vidas. Já se discutiu vezes sem conta um certo “preconceito” latente entre as várias abordagens de Wave Riding. Também vos digo, já me incomodou mais e acho que devemos dar um passo em frente e calcular onde queremos chegar, porque se chegámos onde estamos, não foi por acaso. 

Para mim a evolução não tem necessariamente que passar por circuitos milionários, ordenados chorudos ou uma indústria saudável e vigorosa. Isso nunca aconteceu, mas ainda cá andamos e andaremos. Sabem porquê? Porque temos uma identidade e uma história, a qual devemos saber fazer passar às novas gerações. Quem não conhece o passado, dificilmente enfrentará o futuro. E a história do bodyboard tem intervenientes e é real. Aconteceu! 

Como aconteceu em Pipeline o primeiro 10 unânime de todos os juízes após um rollo aéreo do Mike; ou a mesma manobra executada por Guilherme em condições dantescas e que mudaram para sempre a abordagem do boogie na mais famosa bancada do universo.

Após tudo ter começado mais a sério em Sandy Beach, já muito aconteceu. Criaram-se lendas, fizeram-se campeões e quebraram-se muitas barreiras. Isso ninguém nos tira e faz parte do nosso próprio património. 

Se seguirmos o nosso rumo, sem grandes alaridos, penso que as coisas vão acontecer naturalmente. Também foi de forma natural que ao boogie e aos seus protagonistas ficou reservado o direito de descer as ondas mais pesadas do planeta. Não consigo, por isso, aceitar que tenhamos de nos resignar ou revoltar. Temos é que usufruir e seguir as nossas convições ou ambições, como queiram. 

Apesar de tudo, as nossas emoções continuam a ser testadas quando estamos bem deep dentro de um tubo ou rodamos de olhos abertos num el rollo a voar. Isso nem a pior das conjeturas consegue mudar – é que é sempre bom e intenso.

Apesar dos escassos recursos, a alma pode e deve ter a sua recompensa com uma simples boa sessão na água. Devemos focar-nos na ambição de dar o melhor para mudar as coisas, mas não fazer disso uma bandeira, sejamos positivos e que continuemos a ir à água por muito tempo. Por mim, enquanto conseguir andar, prometo lá ir porque o que me move é a paixão e essa só a sinto a aumentar com o arrastar dos anos.

Percorremos o trajecto até aqui e isso faz-me acreditar que o faremos no futuro, até porque cada vez temos mais exemplos de quão empreendedores podemos ser quando queremos. O conceito Special Edition é um bom exemplo para ilustrar esta ideia. Tenho a certeza que teremos sempre a nossa História e os nossos atores, os quais mostraram ao mundo, principalmente na última década, que perante tanta atitude, tanto comprometimento e ousadia diante a natureza de uma maneira tão óbvia, um dia haverão de ser recompensados. 

Por mim, cá espero continuar com esta paixão arrebatadora, tal como quando comecei com a “velha” Morey Boogie no final dos anos 80. Desculpem lá dar-me para o sentimento. 

Boas ondas! 


Texto: Bruno Lisboa | Fotografia: Pablo Jimenez