Rui Campos, o “Pi”, de 48 anos, não é um nome desconhecido do Bodyboard português. Depois de vários anos a assumir o papel de atleta e competidor, eis que enveredou em definitivo pela via do treino. Desde esse momento tem sido um caso de sucesso, formando atletas de raiz e conquistando títulos atrás de títulos. Quisemos saber um pouco mais como é isso de ser treinador de bodyboard e ainda por cima na região norte do país.


Para quem não te conhece, começa por falar no teu percurso no Bodyboard. Como começaste, as primeiras competições, como chegaste à ideia de ser treinador e ainda a associação ao Clube Naval Povoense?

Comecei a fazer Bodyboard aos 15 anos, na Póvoa de Varzim, e fiquei logo completamente apaixonado e amarrado a este desporto. Competi bastante e com algum sucesso, mas quase sempre a nível local e regional. Como sou professor de Educação Física, acho que passar a ser treinador foi um processo natural. Na praia, via os miúdos a fazerem bodyboard, o Tiago “Moita” Silva, o António Lopes (“Robalo”) e outros, e tentava ajudar e motivar. Ao início ainda competia, mas cedo percebi que ou fazia uma coisa ou outra. E então decidi focar-me no treino.

Em 2004 fazia parte da Direção do Clube de Surf da Póvoa, que, por motivos diversos, parou a sua atividade. Foi então que tive a oportunidade de ter uma conversa com o presidente do Clube Naval Povoense, Paulo Neves, onde decidimos fundar a secção de bodyboard no Clube. Começámos muito, muito devagar e fomos criando as bases do clube que temos hoje.

“(…) fundamentalmente, queremos os miúdos felizes, a fazerem bodyboard e fomentar o desporto na nossa zona”

Desde há muito que se fala de um conjunto de bodyboarders que são fruto da “escola da Póvoa”. Atletas que, no fundo, foram na sua grande maioria formados por ti. Concordas que esta escola povoense, método ou mentalidade, se assim lhe quisermos chamar, realmente existe?

Não sei se o nosso método/mentalidade é diferente dos outros clubes, mas, fundamentalmente, queremos os miúdos felizes, a fazerem bodyboard e fomentar o desporto na nossa zona. Os nossos treinadores, Tiago Silva, Luís Figueiredo e Ricardo Rosmaninho, bem como a nossa diretora Raquel Oliveira, têm todos um percurso de muitos anos no clube, o que ajuda muito a passar a imagem e as ideias que queremos. Somos uma família e acho que isso se nota.

Quanto ao resto, talvez por estarmos habituados ao frio, chuva e condições de ondas menos boas nos dê alguma resiliência e uma mentalidade de antes “quebrar do que torcer”. Nunca deixamos de ir a uma prova só porque as previsões estão más ou porque aquela praia ou onda não nos agradam. Adoramos competir e estar em equipa. Por isso, os campeonatos são sempre ótimos momentos de partilha e convívio.

“(…) acho que o ponto-chave do nosso trabalho é a consistência e a paciência. Acreditar muito no que fazemos e continuar independentemente dos resultados”

Sabemos que o “segredo é a alma do negócio”, mas que tipo de trabalho é desenvolvido nos vossos treinos? E, já agora, que tipo de acompanhamento fazem de forma a fomentar mais competências nos jovens atletas?

Acho que não existe nenhum segredo no trabalho que desenvolvemos. Troco muitas vezes ideias com os meus colegas, nomeadamente o Nuno Azevedo, a Catarina Sousa, o Bernardo Abreu, Chico Pinheiro e outros, acerca de treinos, competições e outros temas do nosso desporto.

No entanto, acho que o ponto-chave do nosso trabalho é a consistência e a paciência. Acreditar muito no que fazemos e continuar independentemente dos resultados, que podem aparecer quase de imediato ou não.

Quanto aos treinos, tentamos variar muito os locais e condições. Fazemos também um treino físico (seco) e um treino de piscina e tentamos estar sempre a par do sucesso académico dos nossos atletas.

“(…) temos todos um percurso de muitos anos no clube, o que ajuda muito a passar a imagem e as ideias que queremos. Somos uma família e acho que isso se nota”

Têm sido muito os atletas formados por ti e pela tua equipa no Clube Naval Povoense, muitos deles com grandes resultados, de tal forma que os últimos anos têm sido avassaladores no panorama competitivo nacional. Que momento destacarias como sendo o mais importante e marcante de todos.

Felizmente, não consigo destacar só um momento. (risos) A vitória do Tiago Silva sobre o Pierre no europeu de sub-16 em Ferrol, os títulos da Luana e do Ricardo no nacional de Peniche do ano passado, seguida de uma receção bombástica na praia da Salgueira, e a última prova do ETB deste ano com os títulos europeus da Luana e do Vicente, e ainda o 1.° lugar incrível do Eduardo.

“No Circuito do Norte, chegámos a ter mais de 100 participantes nas nossas provas, desde Sub-12 a Masters e funcionava como trampolim para as provas nacionais”

Para um jovem que chega a uma competição nacional pela primeira vez, quais dirias serem as maiores dificuldades de adaptação uma vez que tem de lidar com uma série de novidades como, por exemplo, adversários super competitivos que nunca viu, sistema de prioridades e até critério de julgamento? Como se ultrapassa isso?

Acho que devia haver um “regresso ao passado” em que os clubes organizavam intersócios e outras provas locais onde os miúdos podiam iniciar a sua carreira competitiva de forma mais natural e tranquila. O atual Troféu do norte e o extinto Circuito do Norte são bons exemplos disto. No Circuito do Norte, chegámos a ter mais de 100 participantes nas nossas provas, desde Sub-12 a Masters e funcionava como trampolim para as provas nacionais.

“(…) tem de haver mais clubes a quererem organizar provas e trabalhar o bodyboard, sobretudo nas idades mais novas”

Como vês o estado atual da competição em Portugal e, na tua perspetiva, que melhoramentos urge fazer?

Vejo o bodyboard muito concentrado em pontos específicos do país e pouco trabalhado em outros, que chegaram a ser polos muito importantes, com muitos atletas e que têm ondas bastante boas. Acho que tem de haver mais clubes a quererem organizar provas e trabalhar o bodyboard, sobretudo nas idades mais novas. Temos dos melhores atletas mundiais e ondas de classe. É preciso capitalizar isso. “Vender bem” o bodyboard, porque é mesmo um desporto espetacular que permite aproveitar ao máximo o mar a as ondas.

“(…) sabemos o potencial dos nossos atletas (e eles também). Eles vão perder muito e também ganhar muito. Faz parte”

Recentemente, além de Ricardo Rosmaninho que é aquela máquina que conhecemos no Open, também Luana Dourado tem vindo a dar mostras de uma evolução brutal. Com apenas 16 anos, é a Campeã Nacional em título, já foi Campeã Europeia Júnior, é Vice-campeã Mundial Pro Junior e recentemente tornou-se Campeã Europeia Feminina. Não há muitas miúdas com esta garra. Como se reconhece e se potencia um diamante em bruto como ela?

A Luana começou no Bodyboard noutro clube, mas tinha reparado nela algumas vezes em treinos e competições. Depois, quando chegou ao nosso clube, foi muito fácil confirmar que ela tinha imenso potencial e que queria mesmo evoluir.

É muito fácil trabalhar com a Luana. Ela acredita naquilo que fazemos e dá sempre o máximo em cada onda e treino. É muito competitiva e tenta sempre cumprir à risca cada exercício e cada treino. Para além disso, adora surfar e está sempre disponível para mais um treino ou free surf.

“Temos dos melhores atletas mundiais e ondas de classe. É preciso capitalizar isso”

Ainda relativamente à Luana, o próximo passo é o título mundial? Ou não existe, para já, esse objetivo ou pressão?

Não existe esse objetivo, nem pressão. Até porque o nosso projeto no Clube Naval Povoense não depende de resultados. No clube apenas queremos miúdos felizes, empenhados e que façam sempre o seu melhor em cada prova e treino. Nunca falamos em títulos nem em vitórias, essencialmente porque isso traz uma série de coisas que não consideramos positivas. Claro que sabemos o potencial dos nossos atletas (e eles também), mas isto é bodyboard. Eles vão perder muito e também ganhar muito. Faz parte.

“Como sou professor de Educação Física, acho que passar a ser treinador foi um processo natural”

Vicente Campos, que recentemente se sagrou Campeão Europeu Júnior, é outro caso de sucesso do CNP desde as camadas mais novas. O facto de ser teu filho é uma vantagem ou desvantagem quando se fala em treino? Como é isso de treinar o próprio filho?

É, sem dúvida, uma desvantagem! É muito difícil, porque, apesar de tentarmos separar bem os papéis que desempenhamos, às vezes não é possível. O facto de treinarmos sempre em grupo é uma boa ajuda, pois ele passa a ser mais um atleta. No entanto, está a ser uma jornada muito gratificante para o dois, principalmente porque vejo que ele é mesmo feliz a surfar.

“Este ano nem fizemos captação de novos valores uma vez que temos um grupo excelente”

Que tipo de trabalho está a ser feito por ti relativamente a futuros valores do desporto? Há por aí algumas novidades?

Há! Temos muito orgulho na nossa classe de formação onde temos cerca de 20 miúdos e miúdas abaixo dos 12 anos. O Ricardo Rosmaninho e Luís Figueiredo estão mais com este grupo e fazem um trabalho excecional. Este ano nem fizemos captação de novos valores uma vez que temos um grupo excelente. Porém, em 2026, vamos realizar algumas atividades para angariar mais atletas. Depois estamos a fazer o que sempre fazemos: deixar cada atleta encontrar o seu espaço/motivações para decidirmos o melhor caminho a seguir com cada um.

“É muito fácil trabalhar com a Luana. Ela acredita naquilo que fazemos e dá sempre o máximo em cada onda e treino”

Por último, qual o maior prazer que se retira ao ter o privilégio de treinar um fantástico grupo de miúdos que vive e respira diariamente o Bodyboard?

A minha maior satisfação é sentir que lhes conseguimos transmitir o que o Bodyboard significa nas nossas vidas e, por outro lado, ser contagiado pela energia e a sua “pica” em surfarem e convivermos todos juntos.