Todos os anos morrem dezenas de banhistas afogados em praias. A maioria dos afogamentos deve-se a agueiros (rip currents), fortes correntes de água invisíveis criadas pelo regresso ao mar da água trazida pelas ondas, em zonas momentaneamente com menos ondulação. Os agueiros arrastam os banhistas para o mar (chegam a puxar 2 a 3 metros por segundo) e acabam por os afogar.

Como acabei de sofrer um grave acidente deste tipo, é meu propósito informar e alertar as pessoas que nadam para que não arrisquem e voltem vivas para terra. 

Há anos que a minha mulher e eu fazemos praia em setembro, na ilha do Porto Santo, situada a 75 km a norte da ilha da Madeira. Para nós o Porto Santo é a melhor e mais tranquila praia portuguesa, muito melhor do que o Algarve. 

Pontos positivos: água quase morna, extensão de 9 km, praia plana e quase sem ondas, pode-se entrar na água e avançar até longe sempre com água pela cintura, pouca gente nas piscinas e no mar (quase todos estão só a bronzear-se), pequena diferença de temperatura entre o dia e a noite, hotéis de toda a gama de preços. 

Pontos negativos: é mais longe do que o Algarve, ter de se ir de avião, o que encarece a estadia, não há hospital na ilha, substituído por um helicóptero (15 minutos até ao Funchal ) e para os mais jovens que gostam de se divertir, o ambiente é aborrecido, pois não acontece quase nada exceto ir à praia ou às piscinas dos hotéis. O meu postal ilustrado favorito é completamento negro, com a legenda “Nightlife in Porto Santo”. Apesar disto, e dada a nossa idade, continua a ser o nosso destino favorito para férias de praia. 

Em setembro estivemos mais uma vez por lá. Passeámos na praia e depois fui sozinho nadar. Era hora de almoço e quase toda a gente tinha deixado a praia e ido comer. Não havia mais ninguém no mar. Procurei uma zona sem ondas e nadei calmamente, com água pela cintura. De repente comecei a sentir a areia correr para o mar debaixo dos meus pés. Deixei de ter pé e fui violentamente arrastado para o mar. 

Obviamente o que tinha de fazer era nadar de volta para a praia. Esforcei-me ao máximo, mas ia ficando cada vez mais longe. Até que o mar me afogou… Os pulmões encheram-se de água, o coração e o cérebro pararam e apaguei-me…  

(Sei agora que me devia ter deixado arrastar até a corrente parar e depois tentar nadar obliquamente de volta para a praia, se ainda tivesse forças para tal)

Como não sabia nada sobre correntes e agueiros, MORRI no Porto Santo…  mas RESSUSCITEI duas semanas depois na ilha da Madeira, preso à cama de um hospital.

Afinal os nadadores-salvadores tinham visto um corpo a boiar, de barriga para baixo, com a cabeça debaixo da água. Tinham-me puxado para a areia, feito respiração boca a boca e extraído muita água dos pulmões. Veio uma ambulância dos bombeiros, levou-me para o aeroporto e, como o helicóptero não funcionava, fui num antigo avião militar adaptado para o aeroporto da Madeira e depois levado de ambulância para o hospital do Funchal. Aí fiquei em coma induzido um par de semanas. 

Não me lembro de nada nem sei o que me fizeram. Tive, entretanto, uma pneumonia, uma infeção urinária e mais uma série de problemas no coração e cérebro.

Ressuscitei na Madeira, na cama de um segundo hospital, tipo sanatório de altitude, onde fiquei internado mais duas semanas. Aí recomecei a falar, sem perceber bem onde estava e o que tinha acontecido, mas fui melhorando de dia para dia. Diziam que parecia o Prof. Marcelo, porque dormia pouco e sabia muito. Até comecei a dar lições de Alemão ao pessoal, para poderem ajudar turistas hospitalizados.

Um mês depois do acidente consegui ter alta e pude voar para Lisboa, onde deixei a cadeira de rodas e a família me trouxe de carro para casa. Fui visto por especialistas em Cardiologia, Neurologia e Oftalmologia, faço tratamentos diários de reabilitação física (perdera 8 kg de massa muscular), tenho vários exames a fazer, mas sinto-me cada vez melhor. 

Tão melhor que hoje tive ordem para me levantar às 4 horas da madrugada e manter-me acordado, para mais tarde ir fazer um exame ao cérebro num hospital, durante o qual terei de estar a dormir. Aproveitei a vigília forçada para ver na internet o que é um agueiro e para escrever esta crónica. 

Todos os médicos dizem que sou um caso raro, um incrível sobrevivente a um afogamento que morreu numa ilha e ressuscitou duas semanas depois noutra ilha. 

Vou ficar cada vez melhor, voltar a escrever crónicas e tentar ajudar as pessoas em tudo o que puder. E sinto-me mais liberto dos bens materiais que ao longo da vida tenho vindo a juntar e colecionar e cujo peso, em caso de grave aflição, me teriam feito afundar ainda mais depressa.

A finalizar recordo o homem mais colérico que conheci. Foi há anos, numa praia em Espanha. Estávamos deitados em toalhas junto ao mar. De repente veio uma onda mais forte e encharcou-nos. Peguei na toalha e no livro molhados e recuei alguns metros. O meu vizinho espanhol levantou-se e, numa explosão de cólera e raiva, ameaçou o mar com o punho violentamente fechado e gritou num berro tremendo: “Se no fuera por la navegación, te engullliria de un trago!!!”

Se a sua ameaça se tivesse concretizado, provavelmente muitas pessoas e eu próprio não se teriam afogado…


O autor do presente texto, brutalmente genuíno e que nos conta um episódio real vivenciado pelo próprio, é o Dr. João Cidreiro Lopes, lisboeta, septuagenário, professor de línguas em Portugal e Alemanha, atualmente aposentado. Os seus interesses passam pelo estudo de Línguas, a Defesa do Consumidor (Deco), Testes Comparativos e a História do Automóvel. A natação era o seu desporto preferido, mas agora confessa que tem “algum medo, que espero atenuar voltando pela sétima vez para o Porto Santo no próximo verão.”  

Um enorme bem haja pela corajosa e honesta partilha.