Começo por dizer que não me sinto suspeito por escrever sobre o assunto. Sou surfista há mais de 23 anos e dificilmente trocava o surf por outro desporto de ondas. Pretendo apenas que a minha análise nas próximas linhas seja tão sincera e desprovida de interesses, como a transparência da água que rola sobre um reef break do Oceano Índico.

Sempre admirei os bodyboarders! Guerreiros do mar! Entre muitos motivos, admiro-os pela atitude destemida perante as ondas pesadas, a radicalidade das manobras, os tubos profundos e a procura de novos slabs. Admiro-os pela amizade que os une de norte a sul do país! Uma verdadeira tribo do mar!

É certo que uma grande percentagem dos meus amigos da praia, hoje amigos para a vida, são bodyboarders. Ok, esse pormenor poderá tornar-me um pouco suspeito na análise, contrariando o que disse no primeiro parágrafo. Contudo, não me impede de observar este desporto com admiração e alguma neutralidade.

Mas afinal quem são os bodyboarders deste país? Para mim, são grandes aficionados de ondas! Alguns, lá vão alternando entre o longboard e o pé de pato, outros mudaram-se de vez para as pranchas de fibra e são excelentes surfistas, mas no seu íntimo, julgo que são bodyboarders de sempre e para sempre. Outros mantêm-se fiéis ao desporto que os viu crescer e não trocam o leash de mão por nenhuma prancha americana com três quilhas. E depois há ainda a nova geração que escolheu o bodyboard porque sim! Pela diferença, pela sua cabeça, pelo seu coração!

Hoje em dia alguém que ouse escolher o caminho de bodyboarder, numa fase em que nunca foi tão fácil aprender surf (basta observarmos o número de escolas na costa portuguesa, a mediatização dos campeonatos, os ordenados milionários dos surfistas do CT), é alguém que está ciente da sua decisão, sem qualquer critério de vaidade. Hoje, ser surfista é estar na moda, ou querer estar na moda. Hoje, ser bodyboarder é ser um surfista de há 20 anos atrás. É não estar na moda! É ser fiel às suas decisões e usufruir do mar com paixão. É ouvir vezes sem conta os amigos e familiares a questionarem “porque não praticas surf? É sorrir e perceber que esta escolha é fruto da dimensão da sua paixão!

Não quero com isto dizer que o aprendiz de surf dos nossos tempos seja um individuo que usufrui do mar sem paixão, longe disso. A sua escolha também pode ter sido feita com o coração e com a vontade intrínseca de alguém que se quer tornar num ser mais próximo do oceano. Quero apenas dizer que é uma decisão mais fácil!

Quando pensei em escrever este texto percebi que consigo citar mais nomes de bodyboarders portugueses que admiro do que dos meus parceiros de surf. Nunca tinha pensado nisso! A vontade de mencionar alguns nomes é grande! Mas prefiro não o fazer, pois poderia correr o risco de me esquecer de muitos. São tantos os que mereciam ser citados. Mas não por mim, não na minha simples crónica. No mínimo, pelos jornais televisivos em “prime time”!

Surfar ondas gigantes na Nazaré sem mota de água e sem “holofotes”, fazer história ao surfar o Jardim do Mar, na Madeira, com ondas de mais de 6 metros. Dar cartas em Pipeline, entre outras performances competitivas, como títulos europeus e posições de destaque nos rankings mundiais. Não tenho dúvidas que se o bodyboard tivesse a mesma mediatização do surf, Portugal seria o país dos Kelly Slaters, dos Jordy Smiths e dos Johns Johns. Seriamos um país pequeno que produziria campeões mundiais.

Mesmo sem me considerar um entendido na matéria e sem querer falar demais para não cometer erros jornalísticos, fico-me pela emoção, de considerar que hoje em dia o Bodyboard é um desporto que encarna toda a magia do mar. Mas, quem sou eu para escrever sobre este assunto…?

Sou apenas um surfista que de quando em quando esquece a prancha com quilhas, para poder descer umas ondas no estado mais puro, Bodysurf, auxiliado por pés de pato, peito na água e braços esticados. Talvez nesses momentos energéticos em que estou deitado sobre o oceano, seja absorvido pela sensação de que sou um surfista com coração de bodyboarder.


Texto: João “Flecha” Meneses | Fotografia: Pedro Carvalho