Fomos hoje confrontados com a morte de Fernando Fernandes, o “BZ Nando”, que em tempos povoou as páginas desta revista para nos falar da sua paixão sobre “barcos com slick arco-íris” (vide Vert 110 de 2014). Nando tinha 48 anos, era instrutor de condução e sucumbiu vítima de problemas cardíacos.
Ficam as memórias da sua passagem por este mundo que não serão seguramente esquecidas. A Vert junta-se à família e amigos nesta hora de dor, aproveitando para endereçar também as devidas condolências.
Transcrição do artigo publicado na Vert 110:
Vintage Quiver: BZ Ben Severson & BZ Pro/Am Slick
Estas pranchas têm um valor de recordação incalculável e só quem viveu e surfou naquele tempo [há mais de 20 anos atrás] sabe do que falo. Comprei a Ben Severson na antiga Windsurf Guincho do Centro Comercial Amoreiras, em Lisboa. Custou-me mais de 70 contos na época (o equivalente a 350 euros) e escolhi-a porque um amigo meu tinha uma e dizia maravilhas da prancha. Além disso, o Tozé [Fonseca] e o Paulinho [Costa] andavam com essas pranchas e para nós, menos experientes, eles eram uma referência. Já a Pro/Am comprei em segunda mão para oferecer a um sobrinho e iniciá-lo no desporto. Lembro-me que o puto adorou, ficou sem palavras quando viu uma prancha de tal gabarito. Mas mais tarde enveredou pelo surf e devolveu-me a relíquia.
A minha primeira experiência com a Ben Severson foi na Fonte da Telha. Estava um meio-metro mal medido, mas a pica era tanta para a estrear que a saquei logo da capa e entrei no mar. Era uma prancha muito vistosa, o slick bastante colorido, dava muito nas vistas. Lembro-me bem do stress que era passar a rebentação com estes barcos. Com a Pro/Am era mais fácil, porque era mais estreita, mas sempre gostei mais da Ben Severson.
A história que melhor me recordo foi passada com a Ben Severson numa sessão fotográfica que tentei realizar num dia perfeito na Praia Grande, algures em 1994. Apanhei uma direita massuda e oca e, quando me vou a fazer ao tubo, fui apanhado pela onda. Ia morrendo, não me lembro de ter ficado tanto tempo submerso. Tive de sair e lá se foi a sessão planeada, mas o tamanho do mar não permitia erros.
“Naquela altura não percebíamos nada de nada no bodyboard. Acreditávamos que, quanto maior fosse a prancha, melhor a performance”
Apaixonei-me pelo bodyboard a fazer carreirinhas na Costa de Caparica com uma prancha de esferovite, em inícios de 1980. Influenciado por um amigo, experimentei e gostei imenso. Daí para a frente sonhei em ter uma prancha a sério. Depois, um outro amigo também se entusiasmou pelo desporto e por volta de 1986 já andávamos com umas pranchas Scott Hawaii a fazer as primeiras ondas no outside. Foi na mesma época em que nasceu o meu grupo de surfadas. Éramos quase meia dúzia e juntávamo-nos no pontão do “Barbas” e na praia do CDS, Costa de Caparica. Hoje dão histórias inesgotáveis de uma juventude saudável, de amizades puras entre surfadas, surf trips e borgas.
Todos estes eventos aconteceram num período em que não percebíamos nada de nada no bodyboard. Acreditávamos que, quanto maior fosse a prancha, melhor a performance. Depois limitávamo-nos a ir para a praia, sem saber as previsões do mar e aprendíamos uns com os outros, tentando interpretar como se fariam as manobras que víamos nas revistas.
Estas pranchas estão agora em minha casa, bem guardadas e protegidas, como se de um tesouro se tratasse. Lembram-me a minha juventude, o quanto me sentia bem em surfar com elas. Foram momentos mágicos que vivi. Hoje estou velho e cansado. Mas ainda apanho uma marrecas. Sou um old school apaixonado pelo bodyboard.
Fotografia: Catarina Fernandes